Baseado no artigo
“adaptive evolution and explosive speciation: the cichlid fish
model” e no livro A grande história da evolução: na
trilha dos nossos ancestrais (p. 396-405)
Por: Lucas Pereira Martins
(Aluno do 5º período de Ciências Biológicas e voluntário do Orla Viva - MA)
Quando nos aprofundamos no estudo de especiação e padrões de diversidade, é possível notar um exemplo comum a várias abordagens: as diversas espécies de ciclídeos africanos (peixes da família Cichlidae) do Lago Vitória, cuja especiação se deu com grande rapidez nos últimos milhares de anos, já que há indícios de que o lago secou totalmente cerca de 15 mil anos atrás.
Este fato torna-se bem mais interessante do que simplesmente aparenta - os ciclídeos africanos são um dos grupos que mais rapidamente se especiaram, e os mecanismos que levaram a este altíssimo padrão de diversificação são ainda muito discutidos - eis a razão pela qual o exemplo dos ciclídeos africanos estar quase sempre presente em análises para uma boa compreensão dos processos de especiação.
Os ciclídeos representam a família de vertebrados mais rica em espécies dentre os vertebrados (cerca de 3000 espécies). Dentre estas, há cerca de 450 espécies endêmicas de ciclídeos do Lago Vitória. Estas espécies muito provavelmente se especiaram em um padrão de aproximadamente um ou alguns milênios de intervalo médio entre os eventos de especiação em qualquer dada linhagem, o que representa uma evolução espetacular, demonstrada através da enorme variedade de fenótipos e comportamentos dos ciclídeos deste lago.
Acredita-se que uma espécie fundadora (ou bem poucas) entrou em cada um dos grandes lagos africanos (Vitória, Tanganica e Malauí) e a partir desse pequeno começo houveram sucessivas subdivisões evolutivas, caracterizando uma irradiação adaptativa.
Há alguns indícios de especiação simpátrica entre os ciclídeos africanos, porém o modelo de isolamento geográfico é ainda dominante para diversos autores. Além disso, a seleção sexual também tem sido reconhecida como uma força poderosa para a origem de novas espécies de ciclídeos. Para algumas pessoas é difícil compreender o fato de uma especiação por isolamento geográfico (alopátrica) ser fundamental em habitats aquáticos (mais até do que para alguns seres vivos terrestres). Porém, os ciclídeos demonstram o contrário: especiações alopátricas podem sim ocorrer em ambientes aquáticos, e até com uma frequência razoável. Do ponto de vista de um peixe, há diversas “ilhotas” dentro de um grande lago, e neste caso específico, os três grandes lagos africanos possuem recifes isolados (não recifes de coral, mas no sentido de cadeia de rochas) e , para um ciclídeo, cada recife pode muito bem ser uma “ilha”, separada por águas profundas do recife vizinho, a uma distância sufiente para consistir em uma barreira ao fluxo gênico.
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Esquema representando a diversificação de ciclídeos dos lagos africanos. A primeira etapa constitui uma especialização a diferentes habitáts e modos de vida (como por exemplo rochas ou areia). A segunda etapa constitui na diversificação de estruturas bucais dependendo do habitat. A terceira etapa constitui na diversificação das cores dos machos de diferentes espécies (seleção sexual). |
Pelo menos 3 outras forças evolutivas podem ter contribuído para a divergência dos ciclídeos: seleção ecológica, seleção sexual e conflitos genéticos. Há diversas hipóteses em que estas forças são analisadas para explicar a grande diversidade dos ciclídeos, sendo que várias delas possuem um corpo teórico satisfatório.
Perante isto é possível fazer uma análise em que a especiação de ciclídeos nos grandes Lagos africanos se deve provavelmente a uma soma de fatores. Autores que possuem uma maior tendência a credenciar a especiação simpátrica ou a alopátrica como os “carros-chefe” geralmente não excluem a possibilidade de que outros tipos de especiação também se fizeram presentes.
Particularmente acredito que a especiação alopátrica é um fator importante na explicação deste fenômeno, porém sem nunca excluir a especiação simpátrica e a seleção sexual do processo. Assim como praticamente tudo na Biologia, o real é bem mais complexo do que o imaginado, com um conjunto de combinações e processos que fazem o mundo como ele é, inclusive em caso tão extraordinários de evolução, como é o caso dos ciclídeos dos lagos africanos.